Composição VIII

A música tem sido descrita como a forma artística mais pura. Talvez porque ela é imaterial para nós: nós não podemos tocá-la ou vê-la; a música se une com o espírito e afeta seu estado diretamente. Ela muda a atmosfera e provoca emoções como nenhuma outra arte provoca. Algumas notas de uma antiga música podem nos levar à infância, a introdução de um hino nacional é tudo o que precisamos para ativarmos uma gama de emoções dentro de nós. Vamos pegar os antigos Gregos como exemplo: para eles, a inspiração humana vinha de um grupo de divindades chamadas de “musas.” Aqueles abençoados pelas Musas elevavam sua condição humana ao usarem a criatividade para desenvolverem a cultura. O toque de uma Musa era, assim, o selo de uma civilização. Os linguistas reconhecem, hoje, a palavra “música” como uma derivação da palavra “musa,” indicando que a música era leva muito à sério.

Para os Gregos, os fundamentos da astronomia estão tão entrelaçados com os fundamentos da harmonia, que estudiosos postularam que os planetas poderiam criar sons enquanto se moviam pelo cosmos. Assim sendo, a música era essencial para entender as relações entre os objetos no universo. Esse conceito da interconexão do cosmos com a música era chamado de “Harmonia” e, sim, é daí que o nosso conceito de “harmonia” vem! Os grandes filósofos acabaram por apreciar o valor da música. Os antigos Gregos, como Platão, acreditavam que a música tem um efeito direto no ethos das pessoas. Nos tempos modernos, Nietzsche trocava correspondências com Wagner e celebremente disse que “a vida sem música seria um erro.”

Sobre não ser capaz de ver a música, bem, uma pessoa com sinestesia pode descordar. As pessoas afetadas com essa condição podem sentir o cheiro de texturas e ouvir cores, o que resulta numa mistura de sentidos. Essa é uma condição real, difícil para a maioria de nós entender, mas existem aqueles que podem tornar isso mais fácil. Kandinsky tinha uma boa visão musical: ele trabalhou para criar artes visuais tão puras e etéreas como a música, que afetariam diretamente o espírito subjetivo. As formas e as cores são meticulosamente compostas como uma sinfonia. Nenhuma iconografia que possa nos distrair com entidades objetivas é apresentada. Os olhos vagueiam livres no meio de texturas e linhas, ainda assim, observar seu trabalho é como viajar cegamente pelo som da música. Exceto pelo fato de que nossos olhos estão bem abertos e nós estamos em uma sala silenciosa.

O que eu mais gosto desse tipo de arte abstrata é o interesse do artista em dar à audiência um espaço para ela mesma criar algo. O pintor proporciona uma nuvem com grande potencial e cores do pôr do Sol e convida a imaginação dos observadores para ver o que vai acontecer.

Artur Deus Dionisio